segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Foco em Educação Gurupá (PA), ensino com matriz curricular que valoriza a realidade local transforma a educação do município

Além da reestruturação curricular, secretaria criou uma avaliação própria e um programa de formação continuada para os professores

À margem direita do rio Amazonas, na região do Marajó, no Pará, está Gurupá. Cerca de 70% do município de 29 mil habitantes fica em área de várzea, o que explica a importância da pesca para sua economia. Além disso, a comunidade local dedica-se ao cultivo do açaí, de frutas como o caju e à pesca sustentável de camarão. O principal meio de transporte, inclusive o escolar, é a lancha, já que a ilha de Marajó forma o maior arquipélago fluvial do mundo.
Ali, além dos desafios do transporte e da baixa qualidade de vida dos moradores - com um Índice de Desenvolvimento Humano municipal considerado baixo, de 0,509 em 2010 -, a educação local apresentava resultados muito ruins. Seu Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em 2007, por exemplo, foi de 2,1 para os anos iniciais do ensino fundamental. Para mudar esse quadro, a Secretaria de Educação desenvolveu uma série de ações baseadas na construção de uma matriz curricular e de um mecanismo de acompanhamento próprio do desenvolvimento dos alunos, reconhecendo e valorizando as particularidades regionais e culturais do local. As ações se desenvolveram em torno do que ficou conhecido como Prova Gurupá, cuja primeira avaliação foi realizada em 2009.
"A ideia da Prova Gurupá surgiu da necessidade de conhecer as práticas que eram adotadas em sala de aula", conta Messias Pantoja, que é técnico da secretaria, um dos coordenadores do programa e acompanhou de perto todo o processo de formulação da avaliação. Ele explica que desde o início do processo procuraram ouvir os professores e diretores da rede municipal. "O planejamento foi feito a partir de uma matriz curricular unificada. Para gerar essa matriz, reunimos professores de cada um dos nove anos do ensino fundamental, começando pelos anos de alfabetização, dos dezessete núcleos educacionais", explica Messias. Como resultado desse primeiro esforço foi criado um currículo unificado para as escolas da rede municipal. "Sem uma matriz curricular para servir como base de aplicação da prova, ela perderia importância como ferramenta de diagnóstico."
"O principal desafio desse currículo foi manter uma matriz comum e, ao mesmo tempo, respeitar as especificidades de cada escola", salienta Pantoja. Em Gurupá há muitas escolas com salas multisseriadas, outras em áreas de várzea - as chamadas escolas nas águas, erguidas por estacas e com demandas particulares de horário e transporte. Todos esses fatores precisaram ser levados em conta na hora de definir o currículo.
Hoje, a Prova Gurupá é aplicada em todas as 109 unidades de ensino do município, nos quartos e oitavos anos do ensino fundamental - um ano antes da Prova Brasil - e também nos anos finais da educação infantil - a chamada provinha. Segundo Odilei Braga, diretor de um dos 17 polos educacionais de Gurupá e coordenador de três escolas no meio rural, um dos principais benefícios da avaliação é dar oportunidade de planejar o trabalho. "A análise dos resultados nos dá uma base de onde é necessário melhorar."
Cada um dos 17 polos educacionais de Gurupá é coordenado por um diretor, muitos deles, como Braga, coordenam mais de uma escola, quase sempre com salas multisseriadas e no meio rural. O município é tão extenso - são cerca de 8.540 quilômetros quadrados - que algumas escolas ficam a quinze horas de lancha da região central da cidade, daí a importância também do programa municipal de transporte escolar, fluvial, feito por lanchas, cujo atendimento hoje beira os 100% dos alunos da rede.

Cultura local
Para formular as questões, criou-se um banco de dados a partir das sugestões dos professores da rede. Para diversas escolas foram enviadas urnas, nas quais os docentes depositaram, em sigilo, propostas de questões a serem abordadas na prova. Essas sugestões foram levadas em conta pelo comitê de elaboração, que percebeu que muitas delas traziam temas ligados à herança sociocultural do município e linguagem próxima ao cotidiano dos alunos e professores.
Pantoja acredita que os alunos da região Norte acabam em desvantagem em relação aos das regiões Sul e Sudeste nas avaliações unificadas nacionais, que na maioria das vezes trazem questões formuladas por educadores cujo referencial cultural difere do deles. "Para que o aluno tenha ferramentas para formular efetivamente seu conhecimento, é importante respeitar a realidade cultural e social local", afirma. A prova municipal, que é também aplicada nas escolas das onze comunidades quilombolas do município, trouxe textos que abordavam a cultura, realidade geográfica e o legado histórico da região do Marajó, além de problemas de matemática aplicáveis à economia local.

Formação docente
"A partir da análise dos resultados das primeiras avaliações diagnosticamos a necessidade de um programa de formação continuada para nossos professores", lembra Pantoja. Para isso foi criado um polo de apoio aos professores do município, que agora conta com oito turmas. Parte da verba veio do Programa Nacional de Formação Docente, do governo federal. "Percebemos que muitos de nossos professores se beneficiariam do programa, pois até há pouco tempo faltavam instituições de nível superior na região", afirma ele. Hoje, a população de Gurupá tem acesso a três campos universitários: Universidade Federal do Pará, Universidade Federal Rural da Amazônia e Instituto Federal do Pará, que oferecem cursos como letras, computação, ciências naturais e até um curso de licenciatura em educação do campo.
O diretor Braga lembra que também foram organizados encontros nos polos educacionais para debater propostas de melhoria na rede de ensino. Essas reuniões unem pais, alunos, professores, diretores e outros funcionários da rede de ensino para discutir novas possibilidades de prática em sala de aula e questionar as ações que podem estar prejudicando o aprendizado. "Abrimos esse espaço para a construção coletiva do processo educacional", afirma. Ainda segundo Braga, a ênfase dos esforços de diretores e professores até o momento está na inovação das práticas em sala de aula a partir de um planejamento feito com base no diagnóstico gerado pela análise dos resultados da prova.
"Um dos principais benefícios da prova e da matriz curricular unificada foi oferecer aos diretores e professores a possibilidade de planejamento das atividades em sala de aula a um prazo mais longo", diz Braga. Para ele, assim como todo sistema de avaliação unificado, a Prova Gurupá aumentou a preocupação de diretores e professores da rede municipal com os resultados e, ao avaliar o aluno, a prova também oferece uma base para a avaliação do trabalho dos professores e diretores. Como contrapartida municipal, ele destaca ações de valorização docente. Além de cumprir a lei do piso, o município paga 10% de gratificação para professores de salas multisseriadas e 5% a mais do salário a cada 20 quilômetros que o docente precisa viajar diariamente até a escola. Há, também, um plano de carreira unificado para todos os professores, que os estimula a investir em sua própria educação continuada.

Resultados
Além das reuniões nos polos de ensino, observou-se um aumento nas reuniões dentro das escolas para debater as propostas de melhoria com base na análise dos resultados das provas. A partir dessas reuniões, conta Braga, são planejadas ações práticas para a sala de aula. "Desde a instituição da prova observamos também uma maior ênfase na aplicação de simulados", conta o diretor.
A Prova Gurupá venceu, em 2011, o Prêmio Inovação em Gestão Educacional do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e já foi implementado o Sistema de Avaliação Municipal de Gurupá (SIAMG). A atual secretária da Educação, Betiza Ferreira de Almeida, comemora os resultados e diz que sua proposta, daqui para a frente, é manter atualizada a matriz curricular.
As ações trouxeram melhora nos resultados. O Ideb passou de 3,0 em 2009 para 4,1 em 2011 entre os alunos dos anos iniciais do ensino fundamental. Em 2013, no entanto, o município teve uma nova queda no índice, que foi para 2,8, resultado que se deve tanto à queda nas notas dos alunos quanto na taxa de aprovação, que passou de 92% em 2001 para 71%. Nos anos finais do ensino fundamental, a melhora do Ideb havia sido mais modesta, chegando a 3,5 em 2011 e caindo a 3,0 em 2013.
fonte/ http://revistaescolapublica.com.br/