Há três anos, o Pará se destacava nos noticiários nacionais pela deficiência de atendimento nos hospitais públicos da capital. Na época, o Brasil conheceu o que foi chamado de “caos” na saúde pública, com registro de mortes nos ambulatórios, falta de médicos para socorrer os pacientes e infraestrutura precária na rede municipal de saúde. Naquela época uma comissão de parlamentares da Câmara dos Deputados esteve em Belém, fazendo uma vistoria nos principais hospitais públicos. O relatório elaborado pela comissão revelou possíveis irregularidades na aplicação dos recursos da saúde. Três anos depois, o Tribunal de Contas da União (TCU) confirmou as irregularidades e decidiu condenar o prefeito Duciomar Gomes da Costa e cinco ex-secretários de Saúde a devolver recursos não investidos na saúde à União.
A condenação foi divulgada no final de maio. De acordo com o relatório do TCU, Duciomar e os ex-secretários terão que pagar R$ 115 mil em multas aplicadas pelo tribunal. Além disso, a auditoria do TCU constatou a aplicação indevida de recursos que somam mais de R$ 10 milhões.
Para apurar responsabilidades pela má aplicação dos recursos, o ministro relator do processo, José Jorge, sugeriu a abertura de uma Tomada de Contas Especial “com citação solidária dos responsáveis para fins de ressarcimento dos recursos”.
O prefeito Duciomar Costa e os ex-secretários de Saúde, William Lola Mendes e Cleide Mara Ferreira, foram julgados à revelia, já que não se preocuparam em apresentar defesa. Já os ex-secretários Manoel Francisco Dias Pantoja, Paulo Edson Furtado Dias de Souza e Rejane Olga Oliveira Jatene constituíram advogados e apresentaram defesa. Mesmo assim acabaram sendo condenados pela má aplicação de recursos da saúde e por uma série de ações consideradas irregulares pelo Tribunal.
A auditoria do Tribunal de Contas da União para apurar a aplicação dos recursos da saúde na Prefeitura Municipal de Belém foi aberta após pedido da deputada federal Elcione Barbalho (PMDB/PA) que, na época da divulgação das matérias denunciando o caos da saúde no município, era presidente da Comissão de Seguridade e Família da Câmara dos Deputados.
Em 2009, ela decidiu criar uma Comissão Externa para apurar a situação da saúde pública nos estados do Pará e Amapá. A Comissão realizou inspeção nos hospitais públicos dos dois Estados nos dias 6 e 7 de abril. Composta pelos deputados Elcione Barbalho (PMDB-PA), Fátima Pelaes (PMDB-AP), Bel Mesquita (PMDB-PA), Paulo César (PR-RJ) e Roberto Britto (PP-BA), a Comissão Externa averiguou as reais condições de atendimento à população paraense e do Amapá, bem como verificou a aplicação dos recursos federais na área de saúde nos hospitais das redes estadual e municipal.
A Comissão iniciou sua inspeção pelo Hospital Pronto Socorro do Guamá, em Belém. Em seguida, os deputados visitaram o Hospital de Pronto Socorro Municipal Mario Pinotti. No mesmo dia se reuniram com autoridades locais na Câmara Municipal. Os parlamentares também inspecionaram o Hospital Regional de Breves, no Arquipélago do Marajó e seguiram para Macapá (Amapá) onde visitaram o Hospital Pronto Socorro Municipal.
REPERCUSSÃO
Na época da instalação da Comissão e da inspeção nos hospitais, a imagem de uma criança morta sobre a pia de um pronto-socorro de um hospital no Bairro do Guamá percorreu o país. A notícia, veiculada nos meios de comunicação, foi chocante. As imagens registradas por meio de um aparelho celular mostraram uma realidade cruel.
Um menino de 6 anos, vestido apenas com um short verde, morreu vítima de afogamento. A criança foi atendida sobre uma pia do hospital e lá mesmo faleceu. Seu corpo também continuou ali, conforme mostraram as imagens exibidas para todo o Brasil.
Para os parlamentares que integraram a Comissão, as imagens revelaram uma condição cruel, retratando o caos na saúde pública da capital paraense.
Na reportagem foram atestadas ainda diversas situações críticas. Entre elas a imagem de uma pessoa que havia sido atendida em uma cadeira, por falta de leito, e que acabou falecendo, o corpo continuou no mesmo lugar, entre os demais pacientes.
O relatório final da Comissão Externa foi entregue, na época, ao presidente do Tribunal de Contas da União, ministro Ubiratan Aguiar, ao Departamento Nacional de Auditorias do SUS – Denasus, do Ministério da Saúde, à Assembleia Legislativa do Estado do Pará e à Câmara Municipal de Belém.
No entanto, apenas o TCU parece ter se debruçado sobre as denúncias feitas pelos parlamentares na época e cujas conclusões resultaram na condenação do prefeito Duciomar e de cinco ex-secretários de Saúde. Entre as recomendações no relatório, a Comissão Externa apresentou proposta de fiscalização e controle com o objetivo de verificar a regularidade na aplicação dos recursos federais destinados à área de saúde.
No documento, elaborado a partir das inspeções feitas in loco e com dados fornecidos por relatórios do Ministério Público do Pará e da Câmara de Vereadores de Belém, os deputados que integraram a Comissão indicaram problemas de “má aplicação de recursos na saúde pública na capital e no Estado”.
“Nos pautamos não apenas pelo que vimos durante as visitas aos prontos-socorros de Belém, mas também pelo levantamento de dados e repasse de recursos federais feitos ao Estado e ao município nos últimos anos”, destacou Elcione. Segundo o deputado Paulo César (PR/RJ), que também é médico, a situação dos prontos-socorros de Belém lembrou as emergências do Rio de Janeiro de 20 anos atrás.“Realmente, a situação da saúde de Belém é grave. Além de problemas de gestão, a própria estrutura física dos prédios é inviável e completamente insalubre”, destacou o deputado, relator do processo.
Comissão deu início à apuração
Ao presidente do TCU, a Comissão Externa apresentou dados de repasse de recursos que demonstraram que o município de Belém recebe, proporcionalmente, mais recursos para a saúde pública do que o próprio Estado. Chamou a atenção dos parlamentares que realizaram as diligências pelos hospitais públicos de Belém as condições de deterioração e de difícil acesso interno dos prédios visitados, principalmente do Pronto-Socorro Mário Pinotti (PSM da 14), que apesar de possuir capacidade para atender 7.500 pacientes por mês, atende quase o dobro, cerca de 12 mil pessoas ao mês.
Na época, o PSM da 14 havia sofrido interdição de sua cozinha e lavanderia, feita pela Secretaria de Estado de Saúde que constatou falta de condições minimamente adequadas para o seu funcionamento. Os prontos-socorros também foram alvos de uma série de denúncias que seguiam desde a falta de pagamento aos profissionais até desvio de medicamentos e recursos.
Além disso, na época, a grande incidência de pacientes idosos internados na unidade e que permaneciam devido falta de um hospital de retaguarda que pudesse receber estes pacientes, fez com que a média de permanência dos idosos internados nas unidades de emergência chegasse a 15 dias ou mais.
Dentre as irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas da União estão a realização de pagamentos com recursos do programa de Assistência Farmacêutica Básica para a compra de medicamentos que não constam no rol de produtos relacionados pelo Ministério da Saúde; a ausência de prestação de contas da execução dos recursos destinados ao custeio do Sistema Único de Saúde; a aplicação da contrapartida por parte da Prefeitura Municipal de Belém de recursos para o programa Assistência Farmacêutica Básica; a realização de pagamentos de despesas com a aquisição de combustível utilizando-se recurso carimbado para as ações de Média e Alta Complexidade; o pagamento de nota fiscal no valor de R$ 198.902.33 à empresa Nefroclínica Ltda emitida fora do prazo de validade e sem ateste de serviços prestados; o não licenciamento da frota de veículos do SAMU; a não comprovação da existência de contratos de seguro das ambulâncias do SAMU; a ausência de transparência na movimentação dos recursos recebidos do SUS; a execução de despesas administrativas sem a realização de procedimentos licitatórios, entre outras irregularidades citadas pelo TCU.
Relembre o caso:
Durante o feriado do Carnaval de 2009, três pessoas morreram no pronto-socorro de Belém. As famílias das vítimas disseram que o número de médicos no plantão não era suficiente. As cenas de superlotação se repetiram na rede municipal de saúde.
Fonte: Diário do Pará
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